Ciência Aberta: o caminho para a democratização do conhecimento e a inovação colaborativa


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Artigo publicado na Revista Ciência e Cultura da SBPC, escrito por pesquisadoras do CEPID BRAINN, analisa movimento global que promove o compartilhamento transparente de conhecimento para impulsionar a inclusão, a inovação e a excelência científica.

Matéria originalmente publicada no website da Revista Ciência e Cultura

O artigo a seguir foi escrito pelas pesquisadoras do CEPID BRAINN Maria Fernanda Ribeiro Bittar, Thais Crippa de Oliveira e Iscia Lopes-Cendes.

  • Maria Fernanda Ribeiro Bittar é enfermeira especialista em Genética e Genômica e Ética e Bioética e pesquisadora do Departamento de Genética Médica e Medicina Genômica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
  • Thais Crippa de Oliveira é pesquisadora do Departamento de Genética Médica e Medicina Genômica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
  • Iscia Lopes-Cendes  é professora do Departamento de Genética Médica e Medicina Genômica e chefe do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

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Resumo

A Ciência Aberta, ou Open Science, é um movimento global que busca democratizar o acesso ao conhecimento científico por meio do compartilhamento transparente de dados, publicações, métodos e metodologias. O movimento surgiu a partir de iniciativas de software livre e acesso aberto, consolidando-se com a criação de padrões e diretrizes para a disseminação de informações. No Brasil, projetos pioneiros como a SciELO e o LattesData, além de iniciativas voltadas ao compartilhamento de dados genômicos e biomédicos, reforçam o compromisso nacional com a Ciência Aberta. Esse modelo oferece benefícios como maior transparência, integridade acadêmica, reprodutibilidade, validação e excelência científica, colaboração, e redução de desigualdades no acesso à informação. Contudo, o modelo enfrenta desafios relacionados à proteção de dados sensíveis, propriedade intelectual, altos custos de publicação em acesso aberto e necessidade de infraestrutura e capacitação profissional. Integrando princípios éticos e legais, como os previstos na Lei Geral de Proteção de Dados e as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos e os princípios, a Ciência Aberta visa construir um ecossistema científico mais inclusivo e sustentável, favorecendo o avanço do conhecimento e a inovação tecnológica em escala global.

 

Origens e marcos históricos da ciência aberta

A Ciência Aberta tem suas origens nas últimas décadas, impulsionadas por iniciativas de colaboração científica e pelo avanço tecnológico. No cenário internacional, os movimentos de softwares e de informação de livre acesso, emergidos nos Estados Unidos em meados da década de 1980, foram pioneiros desse paradigma.[1,2] A convenção de Santa Fé em 1999 representou um dos primeiros eventos que inauguraram a discussão sobre o Acesso Aberto, delineando estratégias como arquivamento, repositórios digitais e bases de dados. Foram propostos padrões para que documentos eletrônicos, softwares e bases de dados estivessem em conformidade com a Open Archives Initiative (OAI), visando a disponibilização de um maior número de documentos eletrônicos e a promoção do uso de softwares de acesso livre para estabelecer interoperabilidade entre os sistemas e, assim, permitir uma disseminação da informação mais abrangente.[3]

A Declaração de Budapeste de 2002 (Budapest Open Access Initiative — BOAI) introduziu o conceito e as estratégias para o acesso livre a publicações científicas, fortaleceu o Movimento do Acesso Aberto e a sua aplicação aos resultados de pesquisas científicas e aos documentos científicos por meio da internet.[4,5] Em 2003, as Declarações de Bethesda e de Berlim apresentaram, em seus textos, os atributos para uma obra ser considerada de acesso livre, alinhando-se às propostas da Declaração de Budapeste, que ainda traz orientações sobre a necessidade de publicar material revisado pelos pares para assegurar a qualidade dos artigos. Trouxeram uma definição importante sobre a noção de “publicação de acesso aberto”, caracterizando-a em função da autoria que cede o acesso gratuito de suas publicações, permitindo sua ampla divulgação digital ou analógica. A Declaração de Berlim distinguiu-se pela ênfase no uso da internet como principal ferramenta para atingir os objetivos do Movimento.[6,7] A Declaração de Haia (2014) é um documento que especifica a visão da comunidade acadêmica europeia sobre o grande volume circulante de dados em meio digital e o envolvimento das partes interessadas, como bibliotecas, empresas, editores, cientistas e cidadãos.  Essa declaração trouxe à tona a discussão sobre dados abertos por meio da questão digital, abordando tecnologias de Big Data e mineração de dados e como as diferentes competências podem promover desigualdade de acesso aos dados e seu potencial de uso. Foi enfatizada a necessidade de liberdade dos pesquisadores para que não houvesse coerção de modo a restringir os acessos potencializados pela internet. Ademais, a Declaração de Haia trouxe estratégias de ação, apresentando novas preocupações no âmbito do Acesso Aberto, que transcende as fontes primárias de informação, incluindo dados abertos.[8]

No Brasil, o lançamento da Scientific Electronic Library Online (SciELO) em 1998, com a oferta de uma plataforma de periódicos científicos revisados por pares, disponível de forma aberta pela internet para toda a sociedade, e o manifesto do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) em 2005, em prol do acesso aberto, marcaram o início da trajetória nacional rumo à Ciência Aberta.[9]

 

Ciência Aberta

Em sua essência, a Ciência Aberta, ou Open Science, defende o princípio de que o conhecimento científico deve ser livre para uso, reutilização e distribuição, sem restrições legais, democratizando o acesso à informação.[10] Configura-se como um movimento global de instituições, que transcende a mera acessibilidade à informação científica. Ela representa um ecossistema dinâmico que engloba diversos movimentos em prol da abertura e do compartilhamento do conhecimento científico, tanto pela comunidade científica internacional quanto pela sociedade em geral. Preconiza a transparência em todas as etapas da pesquisa, desde a concepção metodológica, a gestão de dados, a utilização de softwares abertos.[11] Essa abordagem visa fomentar a disseminação do conhecimento, a reutilização de dados e o acesso à informação em todos os níveis sociais, impulsionando o avanço e a inovação científica.

“Ao tornar o conhecimento científico mais acessível, a ciência aberta pode ajudar a reduzir as desigualdades de acesso à informação, especialmente em países em desenvolvimento.”

Ao garantir a disponibilidade e a usabilidade sem barreiras de acesso às publicações, dados, metodologias e códigos, a Ciência Aberta promete tornar a ciência mais eficiente, confiável e socialmente responsiva, com a participação ativa de diversos atores sociais como, pesquisadores, investidores, empresários, formuladores de políticas e cidadãos. Não é apenas um movimento para tornar o acesso e os processos científicos disponíveis para todos, mas deve ser visto como um campo de pesquisa emergente onde a cooperação, a liberdade acadêmica, a integridade e a qualidade científica são essenciais.[11,12]

A disponibilização aberta, o compartilhamento e a colaboração trazem uma série de vantagens e benefícios significativos para a ciência, os pesquisadores e a sociedade como um todo.[13] Podemos citar exemplos no âmbito da ciência, pesquisadores e sociedade.

Na Ciência temos: (A) Validação dos processos e resultados científicos. A abertura dos dados permite que outros pesquisadores examinem e verifiquem os processos e resultados, aumentando a confiabilidade e a robustez da pesquisa científica. Há também a verificação por pares, que permite que as pesquisas sejam publicadas de modo mais robusto e com correções independentes; (B) Promoção da reprodutibilidade: possibilita a reprodução de pesquisas, a validação de descobertas e o avanço do conhecimento científico; (C) Preservação digital e sustentabilidade: O compartilhamento de dados em repositórios adequados garante sua preservação e integridade a longo prazo, para serem acessíveis e utilizáveis para futuras pesquisas e pesquisadores; (D) Redução de desigualdades: Ao tornar o conhecimento científico mais acessível, a ciência aberta pode ajudar a reduzir as desigualdades de acesso à informação, especialmente em países em desenvolvimento e, (E) Novos métodos e procedimentos: A grande quantidade de dados acessíveis requer e incentiva a colaboração, a criação de novos métodos, ferramentas e procedimentos computacionais, métodos estatísticos e conhecimentos multidisciplinares para coleta, armazenamento, organização, análise e proteção de dados.

Para os Pesquisadores temos: (A) Aumento da colaboração: A ciência aberta estimula e facilita a colaboração entre pesquisadores, permitindo que eles compartilhem dados, métodos e resultados de forma mais eficiente; (B) Economia de recursos: O reuso de dados existentes pode reduzir a necessidade de novas coletas de dados, economizando tempo, verba e outros recursos valiosos; (C) Novas análises: O acesso a dados de diferentes fontes e contextos permite que os pesquisadores realizem novas análises e interpretações, gerando novos insights. A possibilidade de ligar e cruzar conjuntos de dados de várias fontes melhora a precisão das descobertas científicas e a identificar novos alvos para investigação; (D) Transparência na Aplicação de recursos: O compartilhamento de dados e resultados aumenta a transparência na utilização de recursos e financiamento, promovendo a prestação de contas e a confiança na pesquisa; (E) Visibilidade e colaboração: A disponibilização de resultados aumenta a visibilidade dos pesquisadores, resultando em maior número de citações, convites para colaboração e ampliação das redes de pesquisa; (F) Transparência e reprodutibilidade: Ao tornar os dados e métodos de pesquisa acessíveis, a ciência aberta melhora a transparência e a reprodutibilidade dos estudos, o que é essencial para validar descobertas científicas; (G) Integridade acadêmica: Manter a integridade acadêmica é essencial. Isso inclui garantir que os dados sejam precisos, completos e não manipulados e, (H) Inovação e desenvolvimento: A disponibilização de dados e informações promove a inovação, ao permitir que novos pesquisadores utilizem esses recursos para desenvolver novas tecnologias e soluções.

Para a Sociedade temos: (A) Acesso ao conhecimento: acesso aberto a artigos científicos e dados permite que estudantes, pesquisadores e o público tenham acesso ao conhecimento mais recente beneficiando a educação, inovação e desenvolvimento social; (B) Visibilidade das atividades de pesquisa: o compartilhamento de dados e resultados aumenta a transparência das atividades de universidades, centros e institutos de pesquisa, demonstrando o impacto e a relevância da ciência para a sociedade e, (C) Engajamento público: a ciência aberta favorece a conscientização e o entendimento das pesquisas científicas por parte da sociedade.

 

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