20 de Julho de 2015 Por Redação WebContent
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a principal causa de morte e incapacidade no Brasil, atingindo cerca de 70 mil pessoas todos os anos. Por isso, pesquisas que buscam dar uma melhor qualidade de vida a quem sofreu um AVC são extremamente importantes. Uma delas está sendo desenvolvida pelo BRAINN: uma cadeira de rodas robotizada e inteligente que pode ser comandada por sinais cerebrais.
O projeto começou em 2010, com o nome DesTINe (Desenvolvimento de Tecnologias da Informação para Neurologia) e apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), e continua agora com o BRAINN. A ideia é usar tecnologias de Interface Cérebro-Computador, ou BCI (Brain-Computer Interface), para a construção de uma cadeira de rodas voltada para pacientes de AVC e para pessoas que tenham qualquer dificuldade de movimento.
Já imaginou uma cadeira de rodas que possa ser “dirigida” pelo cérebro? Ou então através de pequenos movimentos da cabeça e dos músculos faciais? Para muitos, pode parecer ficção científica. Mas nos laboratórios do BRAINN estes incríveis avanços tecnológicos estão se tornando realidade.

Sinais cerebrais são captados por eletrodos em uma touca especial e convertidos em comandos, capazes de movimentar objetos.
BCI = Interface Cérebro-Computador
Sistema que permite o controle de equipamentos através de sinais cerebrais.
- Primeiro, há a captura dos sinais elétricos cerebrais (através de eletrodos, por exemplo);
- Depois, estes sinais do cérebro são convertidos em dados digitais, interpretados por um computador;
- O computador transmite a informação interpretada para um equipamento (como a cadeira de rodas), permitindo seu movimento.
COMO É POSSÍVEL USAR SINAIS CEREBRAIS PARA CONTROLAR OBJETOS?
Para captar os sinais cerebrais, diversas técnicas diferentes podem ser utilizadas. Uma delas é a ressonância magnética, que consegue produzir imagens do cérebro e é bastante precisa, mas que é inviável para a cadeira de rodas por não ser portátil. A eletroencefalografia (EEG) é uma outra técnica possível, portátil e capaz de captar sinais elétricos cerebrais, bastante estudada pelo grupo pelo potencial de ser equipada na cadeira de rodas.
Um dos testes realizados com EEG no controle de objetos aproveitou-se das reações involuntárias que temos quando olhamos para luzes que piscam.
“Ao ver uma luz piscando em determinada frequência, nosso córtex occipital – parte do cérebro que processa estímulos visuais – responde com um sinal que oscila na mesma frequência e que pode ser detectado pelo EEG”, explica Gabriela Castellano, pesquisadora do BRAINN. “O teste feito pela equipe do pesquisador Romis Attux, portanto, constituiu em colocar luzes que piscavam com frequências diferentes e associar a frequência de cada uma delas a um comando de um carrinho de brinquedo. Assim, quando a pessoa olhava para uma luz, o carrinho andava para trás, e quando a pessoa olhava para a outra, o carrinho ia para a frente”.

Touca para captura de sinais cerebrais. Clique na imagem para assistir à demonstração de controle do carrinho por BCI.
Uma versão mais desenvolvida desse sistema é utilizada atualmente nos experimentos com a cadeira de rodas. Comandos como “virar à direita” ou “virar à esquerda” são associados a diferentes frequências de luz e, após a observação dos padrões luminosos, os sinais cerebrais do usuário são interpretados por um computador e enviados à cadeira, que se move de acordo.
O processamento dos sinais cerebrais é feito por um software criado pelos doutorandos Thiago Bulhões e Sarah Negreiros, da equipe do pesquisador do BRAINN Romis Attux, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp. Os algoritmos do programa eliminam ruídos e fornecem informações sobre a qualidade dos sinais. Após este processamento, a informação é enviada à cadeira de rodas, possibilitando o manejo remoto.
CADEIRA DE RODAS “INTELIGENTE” FACILITA NAVEGAÇÃO
Para este projeto, tão importante quanto o estudo do cérebro e de seus sinais é o estudo da robótica. A cadeira de rodas utilizada nas pesquisas do BRAINN não é um equipamento comum: ela possui diversos sensores que, uma vez ligados a algoritmos inovadores, tornam-na “inteligente” e facilitam seu uso e navegação.
Os trabalhos na área de robótica são a especialização do grupo coordenado pelo pesquisador Eleri Cardozo e têm como objetivo facilitar o controle dos dispositivos por parte de pessoas com dificuldades de movimento. Como exemplo dos avanços do grupo, o pesquisador Leonardo Olivi aprimorou um algoritmo de navegação assistida que foi premiado como melhor paper no 10th International Conference on Ubiquitous Robots and Ambient Intelligence, na Coréia do Sul. Com ele, robôs tornam-se capazes de “entender” melhor o ambiente ao seu redor através das leituras de seus sensores, fazendo correções automáticas de rumo, por exemplo, ao mesmo tempo em que são navegados por um ser humano.

Teste com a cadeira de rodas controlada por BCI nos laboratórios do BRAINN. O usuário à esquerda observa pontos de luz piscando em frequencias diferentes, o sinal é processado pelo software do grupo e enviado, sem fios, à cadeira, que se move de acordo.
Unindo esses diversos projetos multidisciplinares, o BRAINN desenvolve uma cadeira de rodas robotizada cada vez mais inteligente. O aparelho possui os algoritmos robóticos que evitam acidentes, independentes dos sinais cerebrais, e também conta com diversos sensores que captam informações ao seu redor – como detectores de choque e lasers que varrem à frente da cadeira para detectar degraus –, fornecendo dados valiosos para melhorar o controle do equipamento.
UNINDO CÉREBRO E MÁQUINA
Ao mesmo tempo em que os pesquisadores do BRAINN aprimoram o sistema BCI e a cadeira de rodas inteligente, já há trabalhos em andamento para assegurar que ambos sejam integrados em harmonia.
“Tanto a cadeira como o sistema de luzes foram testados separadamente com sucesso”, diz Castellano. “Nos próximos meses, vamos acoplar os dois sistemas e testar a operação da cadeira de rodas pelo sistema de BCI. Além disso, outras estratégias para a geração de sinais cerebrais, que não usam luzes piscando, também estão sendo testadas”.
Ainda há muitos estudos pela frente para os vários grupos de pesquisa do BRAINN vinculados ao projeto da cadeira de rodas. Mas os primeiros resultados são promissores. A cada etapa de desenvolvimento, novas tecnologias são criadas e aprimoradas, expandindo as possibilidades do que a cadeira é capaz de realizar. Observar uma cadeira de rodas sendo operada remotamente, através da captura de sinais cerebrais, é uma experiência fascinante e que exemplifica todo o potencial da Ciência brasileira para avançar os limites do conhecimento e melhorar a qualidade de vida de quem sofre as consequências de um AVC e está com problemas de locomoção.